Alfredo Soares: “O varejo tem que trabalhar com multiconsumidores”
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Alfredo Soares: “O varejo tem que trabalhar com multiconsumidores”

Alfredo Soares: “O varejo tem que trabalhar com multiconsumidores”

Por:
Soraia Yoshida
Publicado em:
26/2/2024

Não há como negar que a Inteligência Artificial (IA) ocupa hoje uma grande parte das conversas e preocupações do varejo. Lá fora como aqui, a possibilidade de recomendar novos produtos, indicar a melhor escolha para seu perfil, trazer informações extras do produto ou serviço e ainda ajudar a vender é muito bem-vinda. Mas IA é o único caminho para todos os negócios?

“Não tem uma única jornada para o sucesso. Você chega ao sucesso de várias maneiras diferentes”, afirma Alfredo Soares, presidente da Loja Integrada e cofundador do G4 Educação. Para ele, que vive o varejo diariamente, passamos de uma era em que se enxergava “quem é o meu cliente” para “quem são os meus grupos de clientes”. Portanto, não há uma única jornada de cliente porque são muitos grupos diferentes de clientes.

“O varejo está se descentralizando em vários tipos”, afirma. Segundo Alfredo, assim como não existe mais “o meu cliente” e sim “meus grupos de clientes”, as empresas precisam entender que vivemos a era de “muitos varejos”. “Do varejo da conveniência, que é o varejo que está no lugar onde você passa. O varejo do desejo. O varejo do pertencimento, que é o senso de comunidade”, explica. 

As projeções indicam que 50% dos varejistas serão capazes de oferecer recomendações habilitadas por IA para engajar o cliente e aumentar em 30% as interações em tempo real com consumidores. Essa mudança deve impactar em 20% as taxas de conversão. À medida que mais empresas adotam ferramentas baseadas em IA, os consumidores vão enxergar a conexão humana como premium. E essa é uma tremenda oportunidade para os pequenos negócios, que podem crescer a partir de uma base fiel, investindo na jornada e no atendimento. Cafeterias com programas de fidelidade, cupom compre 10 e ganhe um grátis? Temos.

“A experiência nunca esteve tão viva”, diz Alfredo Soares. “Agora é óbvio que os formatos de experiência estão mudando”.

Para entender onde estão as mudanças e oportunidades do varejo, leia a íntegra da entrevista.

Como você olha para o varejo no Brasil hoje?

O varejo brasileiro foi forjado em geração de demanda, e não em um varejo em que você tem mais demanda do que oferta, que é o varejo norte-americano e na China. O varejo brasileiro sempre teve que criar muita demanda. Por isso, o varejo brasileiro tem uma noção de eficiência muito mais enraizada no seu modelo de gestão de negócios. É comum ver brasileiros sentados em cadeiras de decisão em empresas de varejo mundial, até por conta dessa necessidade e obrigação de eficiência global, que se intensificou nos últimos dois anos. 

Isso fez com que o mundo olhasse para o brasileiro e falasse “Esse cara espreme limão e transforma numa limonada há 10, 20 anos. Traz esse cara aqui, vamos aprender com ele”. No varejo, assim como no agro, o mundo olha para o Brasil de uma forma diferente. 

Pensando em phygital, em que parte da jornada do cliente é digital e parte é física, quais etapas deveriam estar de que lado? Existe algum risco da loja desaparecer?

O ser humano quer a experiência física. Não tem como a gente achar que isso vai acabar, a experiência na loja física é muito rica, muito válida e as pessoas não vão se satisfazer em comprar apenas online. É só olhar para o número de taxa de retirada em loja: em diversos e-commerce, a gente está falando de uma taxa de 15% a 20% de retirada. 

O varejo está se descentralizando em vários tipos. A gente tem o varejo da conveniência, que é o varejo que está no lugar onde você passa. O varejo do desejo. O varejo do pertencimento, que traz o senso de comunidade. Muitas lojas estão criando sua própria cafeteria para atrair esse perfil de cliente que gosta de ir até a loja. E você também tem a loja de outlet, com uma fila enorme, em que você tem que procurar o produto. Tem público para tudo.

E não dá para falar de varejo físico sem citar experiência. Oferecer uma experiência vai continuar relevante em 2024?

A experiência nunca esteve tão viva. Agora é óbvio que os formatos de experiência estão mudando. E para as experiências conseguirem trazer mais resultado, o digital é fundamental. Eu faço um evento na minha loja e convido vários clientes. Como é que eu mando um e-mail agradecendo a presença deles? Como consigo que eles façam um post e divulguem nas redes para todo mundo ver que foram no evento? Isso é o omnichannel. Isso é o omnimedia, o digital e o presencial.

A NRF 2024 apontou que as empresas precisam olhar mais para a omnicanalidade (omnichannel). Como você enxerga isso no Brasil?

Antes do omnichannel, que é essa questão da comunicação e integração entre os canais, o varejo está usando muito o termo Unify Commerce, que é unificar os canais. A gente tem que entender, portanto, o que é um omniconsumidor, que é um consumidor que está consumindo de formas diferentes em canais diferentes. 

É muito mais construir uma estratégia multicanal, uma estratégia omni, em que os canais se comunicam, em que a sua comunicação cerca o cliente, e em que consequentemente o seu modelo de negócio passa por você olhar para os canais como verdadeiros micro serviços para atender o seu cliente. 

Como você enxerga um negócio omnichannel?

É um negócio em que o cliente tem autonomia, que o cliente consegue resolver o problema dele sem depender da empresa. Pensa em um banco em que o cliente não precisa ir até a agência, ele pode resolver o problema dele por e-mail, por chat, no próprio aplicativo, na mensagem direct, no WhatsApp. É muito mais sobre esse acesso à informação e autonomia para o cliente. E o seu negócio se transformando em uma verdadeira plataforma em que através de produto, serviço, atendimento, comunicação, você resolve o problema do cliente, do que efetivamente em integração apenas dos canais de distribuição de produto. 

Como encontrar o seu cliente?

Eu diria grupos de clientes, não tem mais esse negócio “o meu cliente”. Você tem que descobrir quais são os seus grupos de clientes. Você vai ter o cliente que gosta de comprar no WhatsApp, aquele que gosta de comprar no site, o outro que gosta de ter o app, o cliente que prefere comprar no Instagram, o que vê o seu anúncio na TV. E aí você vai entendendo aonde estão esses grupos de clientes e criando estratégias para colocar a sua marca onde o seu cliente está. O varejo está vendo que é preciso trabalhar com multi consumidores e entender o que cada um quer. 

A Louis Vuitton vai abrir um hotel em Paris em que a diária vai custar 10 mil euros. É para todo cliente da Louis Vuitton? Não. É para um determinado cliente da Louis Vuitton. E a LV vai continuar vendendo carteiras a 3 mil reais para quem quer começar na marca. 

Outra tendência que ganhou força para 2024 é o retail media, como uma maneira de levar sua marca e trabalhar a base de clientes. Um estudo apontou que os investimentos em retail media vão ultrapassar a TV em dois anos. Vai crescer aqui também?

O assunto do retail media já é discutido há décadas. Mas vem ganhando protagonismo por conta dessa eficiência por obrigação. Sabe o que eu vejo? E aí, de novo, destaco que é uma visão minha, não é o que o mercado está falando. O esforço de trazer resultado em retail media é menor. O mercado também está olhando que o desafio de comunicação está cada vez maior. E se a sua marca tem a atenção das pessoas e uma relação com elas, talvez o maior produto que o varejo tem são os usuários e não o produto. Então, assim como o Pão de Açúcar tem um milhão de clientes e ele tem lá x milhões de SKU, esses clientes também são SKUs. E aí eles saem do modelo de negócio de produto para um modelo de negócio de usuário.

As maiores empresas do mundo têm produto ou usuário? Elas têm usuário. Então, na verdade, é o varejo tradicional entendendo que o produto é uma forma de adquirir o usuário e que pode monetizar esse usuário. Existe um universo de negócios dentro desse modelo. Isso muda a dinâmica do varejo.

O Retail Media não é só fazer merchandising ou trade. É como colocar aquele produto na jornada do seu cliente para que você consiga não só criar marca, como gerar lead e depois venda. Toda mídia que entrega o seu cliente mais perto da decisão de compra vai ser muito mais cara, por isso o Google é tão caro. Ele faz você vender. O seu lead está lá no Google te procurando. Então o retail media vai ter que começar a se profissionalizar em relação a isso. E a entender o que é exposição de marca, o que é geração de lead e o que de fato é geração de venda. 

O uso de bots para trazer mais autonomia para o cliente e para oferecer informação sobre o produto ou serviço, assim como a aplicação de novos recursos graças à Inteligência Artificial (IA) são tendências que vão crescer, na visão de muitos especialistas. Você concorda?

Eu acho que o bot, a Inteligência Artificial (IA) em forma de atendimento, vem muito com essa questão de fazer uma curadoria do conteúdo: compilar o conteúdo e entregar com mais agilidade, melhorando a experiência do cliente. O cliente não precisa fazer a busca para encontrar o conteúdo, ele pode perguntar ao bot, que vai trazer uma resposta. Isso muda a dinâmica.

A gente está acostumado a colocar uma palavra no campo de busca e pesquisar na internet. E às vezes, para ter uma resposta ou formar uma opinião, você precisa colocar vários termos para cruzar as informações. Vamos sair dessa coisa do “pesquisar através de uma palavra ou de um termo” para “perguntar”. E conforme você melhora a sua pergunta, você vai conseguir capturar uma resposta muito melhor. A ideia por trás do chatbot e da IA é trazer esse consenso. E qual é o grande ativo disso? Melhorar a informação. Por isso que, quando a gente olha para esse consumo do futuro, o primeiro consumo não é de produto ou serviço. O primeiro consumo é da atenção. O segundo consumo é da informação. 

Com qual velocidade o Brasil vai adotar essas novas tecnologias?

O varejo brasileiro já recuperou muito da diferença em relação ao varejo norte-americano. O Brasil hoje é um dos maiores produtores de software de varejo e e-commerce. A democratização da tecnologia fez diferença nos últimos anos. A única barreira que ainda é mais desafiadora é do hardware, mas que com o avanço da tecnologia vinda da China se tornou mais acessível. Quanto custava uma TV de 80 polegadas e quanto custa hoje? E ter uma maquininha de cartão de crédito? Então, essa barreira está sendo quebrada principalmente pela força produtiva da China, que está barateando o hardware.

Onde ainda existe um abismo? O varejo brasileiro tem um abismo intelectual do líder para o funcionário. Enquanto os Estados Unidos têm um problema de disposição das pessoas de quererem trabalhar no balcão, na loja, o Brasil tem um gap de conhecimento. Não ensinam empreendedorismo na educação tradicional e isso acaba se tornando uma missão da empresa. O desafio está na educação.

E como resolver esse problema da educação?

Toda empresa acaba por obrigação se transformando em uma empresa de educação. Essa é a grande verdade. Toda empresa é uma empresa de educação. E como toda instituição de educação, não adianta você querer ensinar a mesma coisa para todo mundo ao mesmo tempo. O grande desafio das empresas é entender e aceitar que vão precisar de trilhas de conhecimento para pessoas que estão em diferentes níveis dentro da empresa.

O princípio da educação é tornar a pessoa um ser humano melhor. O papel das empresas não é ensinar a uma pessoa aquilo que ela faz ou o que tem que fazer. É fazê-la subir de nível, ter alta performance, mais disciplina, mais frequência, mais interesse por outras coisas. Isso vai fazer com que automaticamente essa pessoa tenha mais resultado na companhia. 

Uma empresa tem que criar rituais, processos, usar gamificação para mudar o comportamento nas pessoas. E aí não dá para querer mudar todo mundo ao mesmo tempo. Você tem que entender quem são os seus funcionários, quais são os desafios de cada um deles e criar essa jornada de desenvolvimento pessoal dentro da sua companhia.

O que você diria para alguém que está começando seu negócio agora, o que olhar, o que priorizar, o que deixar de lado? Se não começar com digital, vai fracassar?

No mundo da internet ou no mundo dos negócios hoje, não se pode cagar regra. Não tem como cagar regra. Você tem “N” casos de marcas, como a da Virgínia, que nasceram há pouco mais de cinco anos e faturam mais do que muitas indústrias que estão há 20, 30 anos no segmento de beleza. Você tem empresas de educação, como o G4, que em cinco anos cresceu mais do que muitas empresas de educação com 50 anos de existência. 

Quantos empreendedores eu conheço que começaram a produzir conteúdo há pouco tempo e têm mais seguidores do que eu? Assim como eu conheço vários profissionais que têm muito mais experiência de mercado e não produzem conteúdo e nem tem tantos seguidores como eu. Não estou falando na métrica do seguidor, eu estou falando na métrica do digital. 

Então, não tem essa coisa do “Ah, quem não fez ainda, já é tarde”. No mundo de hoje, nunca é tarde para começar. Porque não tem uma única jornada para o sucesso. Você chega ao sucesso de várias maneiras diferentes. A gente sabe isso de viver o G4 e sentir isso nos nossos alunos. No comportamento humano de hoje, existem muitos segmentos, existem muitas oportunidades.

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